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01 fevereiro 2010

Frio

Incrível o poder da nossa memória e o jeito como ela sabe usar um cheiro, um lugar, uma palavra, para nos levar para longe , nos fazer rir, chorar ou nos deixar de mãos atadas em certa situação. Já te ocorreu?

Hoje aconteceu comigo. Sentei no banco da rodoviária, com a bolsa no colo, esperando minha companhia comprar a passagem. A companhia não importa, porque o centro de todo esse fato, do começo ao fim, fui eu, e por certo seria menos doloroso se fosse diferente.

Ao meu lado estava a senhora. Magra e pálida, porém tranquila demais diante da situação que enfrentava, apesar de eu, até então, pouco haver reparado nela. Mas no segundo seguinte, a tranquilidade fez toda a diferença e me desencadeou a série de pensamentos. Uma moça surda-muda nos entregou aqueles panfletos que se pode comprar por um ou dois reais e ajudar a instituição de surdos-mudos. A senhora então, sorrindo, lamentou (e esse lamento foi direcionado a mim, que estava ali, inerte): “to com o dinheiro contado, não posso comprar. Vou ver meu sobrinho que morreu em acidente de carro”. Ela estava calma.

Me vi, então, anos antes, numa rodoviária, com dinheiro contado, esperando o ônibus para ir embora e ver alguém que, esse sim, havia ido embora de vez, pra sempre. O dinheiro contado no bolso da mochila, o vento cortando o rosto, arrepiando os pelos do braço. Sem blusa de frio, sem café da manhã, gosto de sono na boca. Não deu tempo de nada, a morte não espera.

Fiquei perdida nesse espaço-tempo: entre eu, anos atrás, mãos trêmulas e sem comida; e a mulher tranqüila e sem dinheiro.

Quando minha companhia voltou, não conseguia falar. Ninguém entende. Você tenta falar, a palavra não sai. Você tenta disfarçar, aceita um suco, uma água, qualquer coisa. A pessoa do seu lado desconfia, mas ela nunca pode entender que sua memória te arrastou dali. Cada palavra pesa 300 quilos, é uma pedra saindo da garganta. Você ri do que ela fala, mas não sabe o que foi que ela falou. Vêm então os gestos repetitivos: morder o canudo da coca-cola (não era suco?), abrir e fechar o zíper da bolsa, arranhar o polegar com a unha do indicador. Vem a azia, a ânsia, o mal-estar. E você insiste no gesto repetitivo, morde o canudo, debilmente, até ir, aos poucos, emergindo. O lugar é aquele, a rodoviária onde faz sol e calor. Sua viagem é curta e já é hora de ir. A pessoa ao seu lado conta uma história engraçada e ainda sem sentido, mas a pessoa é bonita, e fala daquele jeito só dela, mexendo um pouco as mãos. Você voltou. E você percebe que a vida é isso: uma coleção de lugares, pessoas, alegrias e traumas.

21 janeiro 2010

Eu assisto BBB

Liguei a TV e dei de cara com o Pedro Bial, uns caras sarados e um monte de gostosas. Pois é: começou mais um Big Brother Brasil. E começou também aquela enxurrada de opiniões sobre o programa. Pelos comentários do twitter mais as coisas que ouço por aí, percebo que as pessoas se dividem, basicamente, em três grupos: há os que gostam, se envolvem, torcem e xingam – tal qual futebol; há os que não se importam, não gostam ou simplesmente tem mais coisas pra fazer no horário; e há os filósofos de buteco que usam o BBB para falar do emburrecimento da sociedade, de machismo, da vulgarização do corpo feminino, da crise econômica e o que mais der assunto. É esse último o tipinho medíocre que me irrita.

Eu já falei aqui sobre a TV como entretenimento e reforço que essa é sua principal função. Uma coisa que as pessoas precisam entender é que ninguém liga a televisão para pensar. Principalmente a TV aberta, repare só. Até os noticiários, que são o auge da intelectualidade na grade da programação da globo, por exemplo, são rápidos e trazem pouco aprofundamento nos temas noticiados. Quando todos aceitarem isso, o mundo será um tantinho melhor, porque as pessoas buscarão cultura nos livros ou tentarão mudar o modo de produção da programação, se tornarão mais exigentes e influenciarão no nível intelectual dos programas televisivos.

TV é isso: distração. O ópio do povo. E se você quer que seja diferente, primeiro deve buscar conhecimento fora dela para, então, questioná-la.

Me diz: qual é o conteúdo intelectual que um jogo de futebol transmite aos seus espectadores? Tudo bem, tudo bem, eu sei que é paixão nacional, esporte, competição e blablablá. Não vou dizer que pra mim futebol virou mercado há muito tempo porque daí eu seria tão chata quanto os que argumentam que BBB é alienação. Mas reparem só: esporte, para quem assiste, é emoção. É isso que a gente quer quando liga a telinha. Seja na novela, no futebol ou no Big Brother. É pra ver e se emocionar, sem questionamentos. Sem pensar em crise mundial, fome na Àfrica ou futuro do planeta.

E eu não estou contribuindo em nada com o nosso país defendendo essa ideia, mas é que eu acredito que cultura e educação vêm de casa e da escola. Os pais devem mostrar a importância de ler, conhecer outras línguas, outros lugares e a escola deve dar base e oportunidades para isso.

Televisão não tem obrigação de educar, e tem mais é que passar bobagem mesmo porque quem tem uma boa cabeça vai saber discernir o que é bom, o que é ruim, o que é feito para rir e distrair e o que é feito para ser levado a sério.

Ok. Meu pensamento é elitista, pois considera que todos, em algum momento, tiveram oportunidade de receber uma educação que, futuramente, os tornaria capazes de refletir sobre o bom e o ruim na TV. Eu sei que na vida real não é assim que funciona. Mas sei também que é assim que deveria funcionar: educação de qualidade para todos. E enquanto eu puder contribuir de alguma forma para isso, o farei: doando livros e fazendo trabalhos de incentivo à leitura para aqueles que não puderam frequentar uma escola com bons professores e vasta biblioteca.

Penso que, por mais que sejam pequenas ações, valem mais do que sentar no sofá com o controle remoto na mão e falar mal do BBB.

Para terminar, faço minhas as palavras do Rubem Braga: “Quando você cita um inconveniente da televisão, uma boa observação que se pode fazer é que não existe nenhum aparelho de TV, a cores ou em preto e branco, sem um botão para desligar”.


O texto completo do Rubem Braga você lê clicando aqui.

02 fevereiro 2009

O belo caminho das Índias

Desde que a novela Caminho das Índias estreou, eu tenho me deparado com milhares de blogs e grupos de discussão criticando o conteúdo da trama. E as principais reclamações não são a respeito da atuação duvidosa do Márcio Garcia ou da eterna “cara de nada” da Vera Fischer. O que tem causado náuseas nos mais realistas é o enfoque dado pela produção, que insiste em só mostrar as belezas da Índia, deixando de lado sua pobreza e miséria.
É notável que a Glória Perez e o Marcos Schechtman não querem assustar os expectadores mostrando o Rio Ganges como realmente é: cheio de corpos boiando e pessoas bebendo suas águas.
Mas não vejo motivo para críticas. Até os mais ingênuos sabem que as novelas da Rede Globo não têm o menor comprometimento com a realidade. E não só as da Rede do seu finado Marinho – lembrem-se dos Mutantes da Record.
Não entendo o porquê de tantas críticas, se essa não é a primeira vez em que a Globo e sua equipe de produção resolvem deixar tudo mais feliz. Ou as pessoas realmente acreditam que todo mundo é bonito, mora no Leblon e viaja para o exterior a cada dois meses?
Muitos teimam em criticar o conteúdo das novelas, esquecendo-se que uma das funções da TV é entreter. Qual é a pessoa que, depois de um dia estressante de trabalho, compromissos e filhos, quer ligar a TV e assistir ao Café Filosófico? Não é a toa que ele é veiculado aos domingos. E na cultura.
As pessoas querem algo que possa ser visto passivamente, sem grande estimulação mental. Querem ligar a TV, deitar o sofá e ver um rosto bonito. Querem acompanhar o desenrolar de uma historinha de fácil compreensão. Ninguém – a não ser os críticos – querem, em uma terça-feira, às 10 da noite, sentir todas as náuseas que o verdadeiro Ganges pode causar com seus corpos, seu lixo e seus urubus.
Há o argumento de que, como a maior e mais popular emissora de televisão, a rede Globo deveria se comprometer em transmitir informações construtivas. Mas será que o povo quer isso?
Para os desejosos de realidade e conteúdo, há documentários, livros, revistas. Para todos, o ópio noturno em forma de Juliana Paes.