05 agosto 2010

Das coisas que todos deveriam conhecer

O Bracin lançou a proposta e eu topei: responder à pergunta “o que é que todo mundo deveria conhecer?”. A primeira coisa que me veio à cabeça foi a sarjeta, eu, menina do interior, romântica e ingênua que sou. Mandei a resposta e depois fiquei a pensar sobre ela. Segue aqui a explicação dessa minha tão simplória escolha – com alguns outros detalhes.


Não há no interior pessoa que nunca tenha sentado na sarjeta. Nas cidades bem pequenas, é hábito desses que ninguém sabe de onde foi que surgiu: senta-se com um sorvete ou uma mexerica nas mãos.

Surgem os vizinhos, juntam-se os familiares. É onde se vê o sol ir embora na tarde de verão. É onde, quando pequenos, vemos plantinhas crescendo ao lado dos nossos pés descalços e sujos de terra. Sua avó pode estar ao seu lado, contando uma história, uma fofoca, ou tranquilamente imersa naquilo que sobrou do dia: os últimos raios de sol. Sarjeta é lugar de contemplamento silencioso e de conversa amiga.

Deixemos de lado a má fama deste pedaço de concreto que fica entre a calçada e o asfalto, aquela má fama carimbada pela baba dos bêbados que amanhecem na rua: a sarjeta é ponto de momentos sublimes. É na sarjeta que fica a saudade.

Têm sorte aqueles que, numa madrugada depois de toda uma noite longa, uma festa ou um bar, talvez de cara cheia, puderam por horas sentar na sarjeta e ver o sol nascer. Sorte daqueles que, no silêncio da noite, tiveram a chance de apreciar aquelas últimas estrelas pingadas no azul escuro imenso.

Mesmo os bêbados e arruaceiros encontram nela um porto-seguro: é mais digno dormir na rua do que chegar em casa aos tropeços. Nesses casos, a sarjeta vira cama, vira abrigo, vira companheira e confidente.

Amigos das grandes metrópoles: a vida é linda, vasta, e cheia de lugares a se conhecer. Mas é na sarjeta que mora a paz.

4 comentários:

Mariana Pizente disse...

Já passei mta sexta a noite assim, qnd a grana apertava e a gasosa era pouca...
imagine
Eu e a béia sentadas na sarjeta, com a porta do carro aberta, ouvindo musica e conversando besteiras convenientes ao dia, rs

' programa agradável e barato! rs

M.M. disse...

Perfeito, Carol! Pude viver de perto essa experiência do interior e confesso que ainda curto e sinto saudades da sarjeta... boas lembranças...
Muito bom!
Beijo!

MeninaMisteriosa

Anônimo disse...

Parabéns pelo texto, me fez regressar a minha juventude. Quantas vezes não passei pela sarjeta, sentado para conversar com os amigos; bêbado e caído, enquanto esperava o ônibus da excursão; largado por pura falta de opção e tantas outros motivos.

Evandro disse...

termo ambíguo pra alguém que passou a infância em cidade pequena - ipatinga, mg - e vive em uma maior, rj. quando você falou que todo mundo precisa conhecer a sarjeta, achei que seria uma espécie de lição de humildade, sei lá... ahuaauahuahua. mas faz todo sentido. foi na sarjeta - do interior - que eu descobri que birosca era bola de gude para os mineiros, foi onde perdi a unha do dedão jogando bola, e onde percebi que o vestido da vizinha bonitona do casarão no fim da rua tinha poderes mágicos. apoiada, todo mundo precisa conhecer a sarjeta.