20 fevereiro 2010

Irrelevantemente relevante

São seis menininhas sentadas frente a frente, na grande mesa de madeira do pátio da escola. Três de um lado, três do outro. Cinco estão ansiosas e a sexta, ao meio, no lado direito, faz mistério. Não têm mais que seis anos cada. Todas já cantaram “meu lanchinho, meu lanchinho”, agradeceram ao papai do céu, tomaram o suco das garrafinhas coloridas e agora esperam pela revelação do segredo. Aquela que faz mistério segura uma caixinha de papelão. A outra, ao seu lado, pede: “abre”. Ela ri, como quem sabe de algo mais que as outras, e obedece. De dentro da caixa sai um ovo. Ela fala que não, não é um ovo: o nome daquilo e CA-SU-LO, olha só, é macio. E aperta um pouquinho. A que está sentada à sua frente faz o mesmo, com o dedo indicador. A dona do casulo manda um tapa na mão da amiga: não pode, só eu! E então avisa: olha só, vai sair, fica olhando. E acontece. Do pequeno buraco no canto do casulo surge o bichinho. Pequeno, branco, mole. A vida acontecendo diante do olhar curioso das menininhas. Duas se encolhem, segurando os joelhos, os pés sobre o banco. Uma, cotovelos sobre a mesa, se aproxima do bichinho. Outra coça a cabeça, de boca aberta. A dona do casulo sorri, observando as reações. A sexta menina, sentada no canto, no lado esquerdo da mesa, olha assustada: o bicho vai em sua direção. Ele segue, inocente e rastejante, enquanto cresce diante dos olhos da pequena menina. As outras estão admiradas. Ela olha para próprios pés, tira a melissinha e, num gesto ligeiro, antes que a dona do casulo pudesse interceder, esmaga a lagartinha. Levanta e vai brincar no balanço: coisa idiota que é bicho-da-seda.

***

Era isso que eu devia ter feito, 20 anos atrás, pra hoje não fugir que nem besta quando chega a época em que os coqueiros se enchem de lagartas.


*Depois que escrevi este post, minha tia (oh yes, a família lê) atentou para o fato de que o que sai do casulo é a borboleta, não a lagarta. Faz sentido. Porém, a cena é clara na minha memória: lagartinha saindo do casulo. Resolvi perguntar ao @MarkinDoMatto, que é veterinário e agrônomo e disse o seguinte: "ela entra no casulo como lagarta só sai qdo é borboleta... ela pode ter saido pq a menina estava manipulando um casulo que deveria estar paradinho enrolado numa folha...". Faz sentido, too. E sorte minha ser medrosa. Eu poderia ter matado uma pobre lagartinha prematura.

4 comentários:

AleXXX disse...

Caramba, mó intimidade com o 'contar histórias'. Eu tb me esforço pra isso. Muito gostoso te ler. vou ver os outros textos!

Michele Matos disse...

Huahuahuahuaha perfeito!
Perfeito o texto e perfeita a atitude da menina.

Anônimo disse...

Bicho-da-seda,não sei pq, parece banda de reggae.

Marcos V.

VetAgro disse...

Aí sim fomos surpreendidos novamente! que honra ser citado aqui!
bjo