Uma tarde entrou um raio de sol diferente pela minha janela.
Desses que passam por baixo das nuvens pesadas de chuva num fim de tarde. Desses quem vêm depois que a chuva acaba e deixam uma alegria suave pairando no ar.
E ele, que entrou no meu quarto quando eu pensava em coisas práticas (escovar dentes, depois procurar a mochila, achar a chave e sair), me fez sentar no chão mesmo e pensar longe.
E, de pensamento em pensamento, guiado pelo raio de sol, eu fui parar numa manhã de primavera de uns 12 anos antes.
Tinha, nessa manhã, uma casa com varanda, uma mesa de madeira e uma avó que era minha.
E minha avó fazia uma coisa que hoje já não se faz: escolhia arroz. E eu ficava do lado ajudando. Grãozinho por grãozinho, separado. Eu brincava e levava bronca. E então ficava séria e fazia tudo direitinho. Minha avó quase não falava, porque escolher arroz era tarefa que exigia atenção. Atenção e vista boa, por isso ela ajeitava os óculos no nariz e franzia um pouco a testa.
O tempo parava na janela e dali pra dentro não entrava. Eu brincava com arroz, minha avó ficava séria e a brisa morna de verão balançava as folhas do pé de uva. O gato dormia bem embaixo da minha cadeira. E era tudo para sempre.
Hoje o arroz vem separadinho e é só lavar. O tempo entra pela janela junto com a brisa. O gato dorme e acorda e eu nem vejo. E eu só quero saber quando foi que as coisas pararam de ser pra sempre.
*Descobri que minha mãe fez uma pasta aqui no pc com meus textos inacabados. Esse era um deles.
2 comentários:
É nessas horas que eu gostaria de morar numa cidade menor e menos cinza.
Muito lindo o texto, Carol!!! Parabéns!
Sabe... adoro ler seus textos... não pq vc eh inha amiga, ou pq eu entendo essas coisas estranhas q vc fala, ou pq eu tb moro em uma "cidade menor e menos cinza" como disse a Deborah (prazer, Ana!), ou pq quero puxar seu saco.... Mas eh td mt lindo qd vc deseja, eh td mto engracado qd vc deseja, eh td mto real qd vc deseja... Adoro vc Carol! Como amiga e como micro-escritora!
Beijos na ponta do Nariz!
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