20 junho 2009

"...que o vão que fazem suas mãos.."

Adoro ônibus porque sei que é um lugar em que posso me permitir não pensar em exatamente nada. Deixar os pensamentos fluírem e só. Dessa forma, me irrita um pouco quando ao meu lado senta algum conhecido com quem não tenho muitos assuntos. Surge aquela necessidade de buscar assunto o tempo todo. Com amigos – ou conhecidos bons de papo – é diferente. A conversa é boa e o tempo passa rápido. Simples conhecidos não. Porém, me alegra quando o meu companheiro de viagem é um total desconhecido. Não tenho a obrigação de conversar, mas posso durante toda a viagem imaginar quem é aquela pessoa, de onde ela vem, para onde vai, quem a espera, quem ela deixou. Reparo nas roupas, nos sapatos, nas unhas roídas. E, se é o meu dia de sorte, o meu vizinho de poltrona lê um livro ou recebe uma ligação no celular. São duas pistas que me permitem descobrir (ou imaginar) quase toda a sua história de vida. A primeira pista porque um livro, junto com a roupa mais os gestos, dizem muito sobre qualquer pessoa. A segunda porque, por mais que nunca se ouça a voz que fala do outro lado do celular, uma simples conversa dá margem há toda uma relação e um conflito que podem existir ali, entre a pessoa do meu lado e aquela, longe, que no momento não é mais que uma voz.

E hoje, quando entrei no circular, não esperava que seria testemunha de uma cena tão sublime. Ainda mais no circular, onde eu não passaria mais de 10 minutos, que é o tempo que leva da rua perto da minha casa até a rodoviária – lá sim, pegaria o ônibus que me prometeria boas histórias.

Após entregar o dinheiro para o cobrador, assim, meio desajeitada, com bolsa de um lado e mala do outro, sentei na primeira poltrona vazia que vi. Só depois olhei para o lado, e lá estava uma mulher de uns 30 anos, gorda e carrancuda. Foi tudo o que eu puder reparar no primeiro momento, e nada além disso me interessava. Preocupei-me em arrumar minhas coisas, guardar a carteira, pegar o MP3. Com tudo ajeitado e mais nada para fazer, vi que a mulher segurava um celular, dentro de uma dessas capinhas de pano, cor-de-rosa com um ursinho preto e branco desenhado. Achei que uma coisa tão feminina, infantil e delicada não combinava com aquela mulher de cara feia, cabelos mal pintados de um loiro-avermelhado e moletom velho azul-escuro.

No momento em que eu reparava nesses detalhes – porém, sem maiores pensamentos; reparando por reparar - ela olhou para o celular e ergueu a cabeça, que até então estava abaixada, afundada naquela mau-humor carrancudo. Depois, como reflexo, olhou pela janela. O ônibus estava parado num semáforo e do lado de fora havia algum estabelecimento comercial. Não tive tempo de constatar se era loja, açougue ou padaria. Minha atenção ficou voltada para o que acontecia num espaço que ia da poltrona ao meu lado até a calçada ao lado do ônibus. Na frente do tal estabelecimento estavam dois rapazes. Um deles sorria e acenava. O outro era mero coadjuvante, fazia um comentário qualquer. Era nítida a alegria do rapaz que acenava. Tão nítida que mal pude reparar se era mesmo rapaz, jovem, ou se era velho. Tudo que lembro é que usava boné vermelho, desbotado, quase laranja, e camiseta branca. E ao meu lado estava outra mulher. Nada daquela carranca, nada de mau-humor. Ela sorria o sorriso mais leve que já vi. Os olhos brilhavam. Ela acenava freneticamente, quase de modo infantil. O sinal abriu, o ônibus deu partida, ela ainda deu um último aceno, que foi imediatamente correspondido. O sorriso durou ainda minutos suficientes para eu descer do ônibus e poder apreciar um restinho dele morrendo nos lábios de mulher gorda e não mais carrancuda.

Seria o rapaz um namorado? Será que toda a história começou com esse ônibus, que passa todo dia pelo mesmo lugar e com essa mulher, que senta todo dia na mesma poltrona? Seria ele um amante, alívio das horas em que a mulher passa perto do marido que não mais ama? Ou será um filho, no primeiro dia do novo emprego?

As dúvidas me acompanharam até os 15 minutos de viagem dentro do ônibus intermunicipal que peguei em seguida. Acompanharam-me até a mulher morena da poltrona do outro lado do corredor me pedir o celular emprestado.

4 comentários:

Michele Matos disse...

É legal imaginar toda a história que existe por trás de cada rosto desconhecido, gosto de reparar os tics nervosos, pés que balançam freneticamente, olhos que piscam muito...essas coisas...
texto ótimo!

Theo disse...

que preconceito com gorda amor!!!!!!!!
ajdajisdahudahsudahsudhuasdhuasdhua to brincandoooooooo

mto bom t amo

anamariacorri disse...

Marita disse "Nossa, ela eh inspiradíssima, neh?", porque além de ler eu mostro pra todo mundo, que nem aquela mãe orgulhosa que conta pra todas as amigas aquela habilidade inútil do filho mais novo huahuauha
Enfim... acho q td mundo faz isso q vc disse ... pelo menos td mundo q tem problema na cabeça q nem agente ahuuhahua
Adoro suas histórias, vc sabe....
Bjaoo

Luciano disse...

taí, gostei bastante mesmo.
A coisa mais odiável do mundo é quando uma dessas pessoas semi-conhecidas senta ao seu lado e voce, demoradamente, é obrigado a desatar os fones do MP3.