23 dezembro 2008

eu, sem ele

No dia em que nos separamos. No dia em que ele me deixou. Ou fui eu que o deixei?
Eu desci do ônibus. Ele continuou e eu até hoje não sei para onde.
Naquela tarde, depois de descer daquele ônibus, daquela nossa última viagem, vieram os primeiros sintomas da ausência. Eu tive dores, de cabeça e de estômago. E não sabia se o estômago doía por causa da cabeça, ou se por causa da viagem e então fazia a cabeça doer. Mas sabia que, no fundo, toda dor vinha porque nos separamos quando eu não estava preparada para isso. Se é que uma dia estaria...
À noite, as lágrimas foram inevitáveis. Os olhos cansados não conseguiram segurar. E seguiram-se noites e noites de choro. Era a falta dele que me fazia chorar.
Com o tempo, veio a rotina, como sempre vem. E a rotina sem ele foi dolorosa. Descobri coisas sobre mim. Li mais, terminei livros em pouco tempo. Não sei se porque nestes primeiros dias sem ele achei difícil sair na rua, ou se acabava me sobrando tempo devido a ausência de outros momentos, antes tão nossos, tão dele. Sem saber o que fazer sem ele, eu lia. Ainda que isso não me fizesse bem. As páginas dos livros se resumiam a letras embaralhadas. Mas sem saber o que fazer, eu lia.
Nesses dias de rotina sem ele não vi mais filme algum. Cinema sem ele não faz sentido, nem filme em casa, nem novela. De repente, tudo ficou ruim.
E a rotina, que com ele era tão alegre, virou sofrimento. E aprendizado.
As dores passaram. Ou talvez eu tenha me acostumado com elas, não sei. Mas a ausência nunca que ia embora. Era só olhar uma flor, uma passarinho lá longe, o sol se pondo... Coisas antes tão nossas!
Vieram os outros, improvisados, achados por aí. Um momento de alívio, mas aquele lugar que ficou só ele poderia preencher. E no fim, nunca era ele ali. Os outro eram os outros, e só; como diz a música bonita.
No fim de tudo, precisei de doutor até. Nada curava a falta que ele me fazia, só mesmo a medicina. O diagnóstico não poderia ser outro: sua falta me causava o mal.
Então, um dia teve de acontecer, como sempre acontece: veio o outro. Não um outro qualquer, como foram os outros. Um outro sob medida para minha nova condição: de acetato, quadrado e cor de vinho. Com lentes anti-reflexo. E com nova receita: não tenho só astigmatismo; sou também míope.



*Eu sei que é bem batido fazer histórinhas assim, mas não resistí. É que o primeiro a gente nunca esquece. Era mesmo um caso de amor. =)

6 comentários:

Mauricio Toczek disse...

Hahahahah.. muito bom! Me identifiquei muito com seu texto, pelo jeito de escrever e pela miopia.

Abraços.

Jefferson Cristian Machado; disse...

Todos temos uma ligação muito grande com a primeira pessoa de nossas vidas. Entendo tuas palavras.

Gostaria de perdir-lhe algo: gostei do teu blog, dos teus textos e etc. Gostaria de saber se tu incluiria o meu na tua lista de blogs relacionados, caso pense o mesmo do meu. Eu ja tenho o link do teu em minha lista pelos motivos que dei.
Independentemente da resposta, eu agradeço.

Beijo.

Alternativa disse...

"Os outro eram os outros, e só;"

e como eh incrivel,os outros nao fazem a menor falta.
Mas o bom eh que tudo passa, mesmo qdo nao passa totalmente.

bjss

grazi shimizu disse...

on meu primeiro ficou nas ruas numa corrida atrás de um ônibus, nunca mais eu o vi... :/

[historinha tão bonitinha :)]

Pedro disse...

Dom Quixote
(ventoonde.blogspot.com):

Ainda bem, nobre donzela, que o teu mal passou. Porque o meu perdura insistente latente em meu coração. Me tirando o sono e tirando a paz. Bom texto.

Anônimo disse...

"Sem Ana, Blues" para os olhos...mto bom!