01 março 2008

Ai, ai saudade, não venha me matar

Um dia eu descobri a saudade, mas eu só fui descobrir que naquele dia eu descobrira a saudade muito tempo depois. Entendeu? Eu explico:
Há muito, muito tempo, eu brincava no balanço quando alguém me chamou e mandou tomar banho. “Vamos para o hospital ver a Gabi”.
A Gabi é minha prima e naquele dia, soube eu no hospital, que ela tinha nascido.
Fiquei tão importante: vou entrar no hospital! E mais feliz ainda, porque eu ia ter uma prima, uma boneca de verdade!
Tudo bem, eu já tinha um irmão, pequeno, mas não era a mesma coisa. Agora eu poderia colocar vestidinhos e passar maquiagem, pensava.
Cheguei ao hospital com um tanto de euforia e outro de receio: nunca antes eu entrara em um lugar daqueles, lugar de gente grande!
Foi então que me colocaram numa cama alta e me avisaram que eu ia segurar o bebê. Meu coração quase explodiu. Fiquei ansiosa, mas logo me decepcionei: me trouxeram aquela bola de pano com a cara vermelha. Pensando agora, acho que foi visível a minha cara de decepção. E foi grande o alívio quando tiraram aquela coisinha do meu colo.
Mas a boneca que eu esperava veio, depois de um tempo, e do jeito que eu queria: olhos azuis e cachinhos louros. A coisinha vermelha do hospital virou a minha melhor boneca, a mais linda!
Depois, eu comecei a ouvir, aqui e ali, conversas de adultos, coisas sobre mudar de casa. Mas, criança que eu era, não conseguia me preocupar com algo que fosse além de hoje a noite.
Só que um dia aconteceu: juntaram minhas coisas todas numa caixa, e eu só me dei conta do que acontecia quando vi que minha mãe chorava ao falar tchau para minha avó. Me chamaram, e eu só pude olhar para minha prima, sem falar nada e sem saber quando iria vê-la novamente. Fui embora olhando para ela pela janela do carro. Ela ficou.
Minha nova casa era longe, percebi, pois eu só voltava para a casa da minha avó quando tinha férias ou algo do tipo. E toda vez que eu voltava, me acalmava muito. Mas toda vez que tinha que ir embora, algo em apertava demais, assim, por dentro, e eu não sabia o que. Eu não entendia o que era aquilo, que me fazia tão triste por umas horas, e daí eu chorava. E como eu não sabia de onde vinha aquilo que me fazia chorar, eu inventava coisas: é que eu queria uma boneca!
E toda vez que eu voltava, alguém me dava uma boneca, aquela que eu pedi quando fui embora.
Com o tempo e as despedidas, consegui uma coleção de bonecas, e ainda assim chorava. Nenhuma daquelas bonequinhas bastava, eu continuava chorando.
Um dia, por sorte, a tristeza acabou e eu voltei pra minha casa antiga.
Eu cresci e hoje sei que o meu chorinho com mentira era saudade.


Hoje ainda choro, mas agora tenho ciscos no olho ou vontade de espirrar.

Um comentário:

Rosa disse...

doeu fundo. porque saudade é o que eu tenho de mais forte em mim...