Dizem que a gente não consegue guardar na memória aquilo que passou pela nossa vida até os 3 anos. Então, digo que sei que, desde os meus 4 anos eu amo as letras. Antes não sei, não lembro.
Eu passava boa parte dos meus dias deitada numa rede em uma barraquinha de beira de estrada que minha avó tinha pra vender frutas para os viajantes. E minha vó tinha uma amiga, a Dona Maria, que, além de fazer bolos e contar histórias, cuidava de mim. A Dona Maria parecia a Dona Benta, do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Eu deitava na rede e ela sentava do meu lado, numa mesinha de madeira. Eu pegava papel, caneta dava pra ela e falava: escreve Luciana. Ela escrevia. Agora Maria. E Carol. E bolo. Ela escrevia tudo e eu olhava, depois de trás pra frente e ainda de ponta-cabeça. E pensava que naquelas coisinhas que a Dona Maria fazia tinha um monte de coisas: a Luciana, minha prima, a Dona Maria do vestido florido e o bolo de fubá.
Eu tinha minhas canetas e livros. Eu via os livros e copiava os códigos na parede da casa da minha vó. Todos tortos, claro. Mas eu tentava aperfeiçoar cada vez mais. Um dia me ensinaram quais códigos formavam meu nome. Eram sempre os mesmo e tava lá: CAROL. Era só copiar, sempre na mesma ordem. Pronto. Meu nome! “Mas, mãe, e se eu colocar o da barriguinha no final? E se trocar o da barriguinha pelo outro do final?”. CALOR! Era tão simples!
Daí eu comecei a entender aqueles códigos, comecei a brincar com eles. Bolo. Lobo. E eles, de repente quase viravam frases: O bolo do lobo.
Me aperfeiçoei: o lobo é lindo. Que lobo lindo!
E se o lobo tiver flores? E se eles gostar de flores? E se ele gostar de flores e de bolos? E se fizer um bolo com flores?
Eu comecei a entender cada detalhezinho dos códigos e cada vez me apaixonava mais, porque eu criava mundos com aquelas coisinhas que ficavam paradas nos livros. Pegava daqui, dali, de lá e pronto. Tinha um bolo, uma flor, uma casa, e se tirasse um pouquinho, tinha uma asa.
Evolui e tive diários, coisa de menina-mocinha, sabe? Depois cadernos de histórias e logo o lobo tinha nome de Norberto ou de Jorge, com letra maiúscula, que é o certo.
As letras, quando percebi, já eram paixão. E eu usando e abusando delas, só pra aliviar o que se passava aqui por dentro. Era beijo, saudades, André, Paulo, tchau.
Daí eu vi que, além de brincadeira, elas me serviam pra muito mais. Eu poderia usar todas elas pra materializar a minha angústia, minha alegria e a minha imaginação.
Juntei então, um monte delas na minha sacola, de par em par, às vezes de trio, e deixo aí, à disposição. E se alguma me falta, eu fico triste. Às vezes acontece o contrário: fico triste e me faltam todas. Às vezes, quando fico muito feliz, exagero e repito o lindo, lindo, lindo. Quando algo me incomoda, é tormento, sofrimento. E quando tem coisa confusa, é só ir se misturando, variando, enlouquecendoando.
Eu cresci com elas, aprendi com elas a me colocar num papel e agora não paro, junto tudo por aqui e juro que não paro.
Um comentário:
alguma dúvida que a gente é parecida?
tudo que eu vou escrevendo é um jeito de dizer, pelo amor de deus, eu preciso tirar isso de dentro de mim.
adorei o texto. eu não tive essa senhora, mas eu tenho essas mesmas vontades.
e ainda bem que você não vai parar.
é uma honra ser parecida com você!
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