29 fevereiro 2012

1 de março

Eu era a única filha, única neta pelos dois lados da família, única sobrinha, e, consequentemente, detentora de todo carinho, atenção e presentes. Meu reinado durou pouco: aos quatro anos, minha mãe me chamou para o que eu imagino ter sido a primeira conversa séria da minha vida: "você vai ganhar um irmãozinho".

Acho que na imaginação de toda criança, ou pelos menos de toda menina, ganhar um irmãozinho significa ganhar uma boneca que come e chora de verdade. Sendo assim, fiquei feliz.

Claro que "irmãozinho" é apenas um modo prático de tratar a coisa. Ninguém sabia se dali uns meses comprariam roupinhas azuis ou cor-de-rosa, mas eu desde a primeira vez que ouvi sobre aquilo que habitava a barriga da minha mãe, decidi: é menina.

A barriga cresceu e as tias, vizinhas e avós olhavam, apalpavam e davam a sentença: é menino. Grudada na barra da saia da minha mãe, eu fazia cara feia: não é.

Um dia minha mãe foi para o hospital. Eu, de hora em hora dava uma espiada no berço vazio que ficava no cantinho do quarto. O bebê não chegava nunca!

Lembro da voz da minha vó gritando "Carol vem ver!". Saí correndo, deixando os brinquedos pelo o caminho, não abracei minha mãe, não beijei meu pai, não vi ninguém na minha frente. Na pontinha dos pés, olhei dentro do berço: roupinha azul. Era menino.

Os pés voltaram inteiros para o chão, fiz o caminho inverso recolhendo os brinquedos, voltei para o quintal, assim: visivelmente decepcionada.

Um ano depois, quando ele já parava sentadinho - quase já andanva - aproveitei a ausência da minha mãe e corri para o guarda roupas. Vesti nele uma sainha florida, tiara vermelha na cabeça e pintei a boquinha de cor-de-rosa. Uma graça! Finalmente, eu tinha minha boneca que chorava de verdade. Coloquei sentadinho na cama e fiquei admirando, até minha mãe chegar, ficar brava e falar que não, eu não podia vestir meu irmão de menina.

Foi aí que eu aprendi: irmão é assim, a gente ama de qualquer jeito. Do jeito que eles nascem. Do jeito que eles são.

Um comentário:

Anônimo disse...

Lindo !

Acho que vc ainda escreve com o feeling de princesinha da casa.
Jamais imaginei que tivesse um irmão ...
Se é que tem ...
Nunca sei quando é ficção ou realidade