22 dezembro 2010

E assim foi

Enganei-me e pensei que tivesse superado. Na euforia da certeza da superação, e na ansiedade do novo, resolvi mudar móveis de lugar, como é de praxe: cortar o cabelo e mudar os móveis de lugar. Escolhi tirar do quarto um velho armário e já na primeira gaveta, veio o tapa na cara: uma dobradura em forma de coração, uma carta escrita a lápis e revistas ainda embrulhadas, com a data de dias que foram só projeto de dias, por onde passei tentando reencaixar em mim aquilo que eu ainda sabia de mim mesma: um final de outubro de fins de tarde tristes e noites mal dormidas.

Percebi o óbvio: não se tira pessoas da nossa vida de um dia pro outro. É brega, mas: há todo um processo. Depois da decisão, do choro, e dependendo do caso, do porre, só então vem o fim. O verdadeiro fim é aquele que acontece depois do fim: quando você entra no apartamento vazio, junta as roupas, toalhas, travesseiros, sapatos, que ficaram nos cantos, jogados pelo quarto desde aquele momento em que seu pensamento divagava sobre o fim – naquele momento, possível mas distante.

É aquele aceitar doloroso, e não há nesse caso dor metafórica: dói na boca do estômago, e um pouco na mandíbula. Vos digo: vai doer muito mais.

Não se vive de verdade com alguém sem compartilhar coisas: roupas esquecidas, música, pacto, carinho, apelido, gemido e dor. Pois bem: não se separa de alguém sem, ao longo de todo o processo, reencontrar as coisas compartilhadas: um bilhete na carteira, uma mensagem no celular, um filme que era vontade de ver junto, uma carta, uma foto, um remédio. Não se constrói nada às pressas, ao brusco, ao calor da paixão. Não se desfaz nada sem pequenas surpresas quando tudo – que engano! - já havia sido passado, superado.

O fim não é o momento quando você, aos gritos, decidiu que era fim – ou que, aos prantos, aceitou. O fim é um dia-a-dia, que às vezes se disfarça de alívio e alegria – mas que só quer ver até onde você é capaz de ir.


*Para ler ao som de Adriana Calcanhoto, que dor é pra doer.

O texto não é de hoje, mas só agora – que penso que superei – é que pude reler e, por fim, postar.

2 comentários:

michelaalbano disse...

parabéns.. realmete o que vc escreveu está completamente correto.... o fim é apenas o recomeço de uma longa jornada !!!

Carol Pretti disse...

Eu li esse texto qdo ele foi publicado, mas agora, só agora, é que ele me faz um baita sentido.
E só agora eu posso entende-lo realmente.
Carol, vc é ducaralho. Digo, repito e repetirei mais muitas vezes!