02 novembro 2009

Fica sempre uma lembrança...

Não sei se é culpa do Dia de Finados, da proximidade do meu aniversário que deixa tudo mais nostálgico – aquela certeza de que tudo passa e que, uma vez passado, não volta – ou se é influência desse texto aqui, que me pegou lá no insconsciente. Talvez seja tudo isso junto. O fato é que, nesses dias, dei pra pensar no meu avô. Pensei nele e, metalinguisticamente pensando, pensei na forma como me recordo dele. Ele morreu em 2005 e de todos os passeios, as tardes no sítio, os presentes, a doença, o sofrimento e a morte, o que ficou gravado em minha memória são duas cenas. Encuquei por umas horas. Como é estranho o nosso processo de arquivamento de pessoas! Pois de tudo o que vivi ao lado do seu Pedro, duas coisas sobressaem a qualquer outra lembrança que eu possa ter:

Eu, com 5 anos, estou sentada na varanda da casa do sítio. Descalça, camiseta larga, shorts de lycra. É fim de tarde e sinto meu rosto sujo de terra, mas não entro no chuveiro de jeito nenhum. Estou ansiosa. Sentada num banco de madeira, esfrego um pé o outro. Chega o monza dourado e eu levanto a cabeça: o vô e a vó! Pulo do banco e saio correndo. Os dois descem do carro e estão de cabeça baixa, eu ignoro e peço: compra sorvete de uva? Minha mãe me repreende, que agora não é hora e eu devo esperar. O vô e a vó entram na cozinha, conversam com a mãe, comem, tomam café e voltam para o carro. Antes de sair, o vô grita que é pra eu esperar que logo ele vem. Sento de novo,os pés se esfregando. Passa pouco tempo, ele volta. Pára o carro e não desce: me chama na janela, entrega o sorvete - picolé de uva! - e vai embora mais uma vez. A mãe me explica então que ele tem que ir porque logo logo é a hora do enterro do pai dele, meu bisavô, que morreu.


Na outra cena, eu estou no mesmo lugar: a varanda do sítio, que é onde meu avô morava. Só que desta vez, estou em pé, com os cotovelos apoiados na mesa de madeira, as mãos segurando o rosto. Pareço aborrecida e mais uma vez tento adiar o banho. Chega o carro, entra na garagem e o vô e a vó descem sorrindo. Ele segura um embrulho, eu nem desconfio que possa ser de outra pessoa e já lhe tomo das mãos. Rasgo o papel, rasgo a caixa de papelão e tiro de dentro o presente: a miniatura de ventilador. Colorido, com botões na base, um pescocinho que sustenta a gaiolinha que protege as hélices. Cada parte de uma cor. Peço pilhas e o vô pega no porta-luvas do carro. Ligo, coloco em cima da mesa e paro na frente, na mesma posição que estava antes: rosto apoiado nas mãos, mas agora com vento e sorriso no rosto. O vô senta na cadeira por perto e ri de mim.


Eu cismei de tentar entender porque é que, de tudo aquilo, dos 19 anos juntos, foi justo isso que ficou. Deixo de cismar e entendi que a memória não faz sentido. Ou que, talvez, faça todo o sentido do mundo.

4 comentários:

Rosa disse...

eu tenho essas lembranças sem juízo. A manga rosa é a principal delas.
Mas sabe, essa saudade que a gente não vai matar é um negócio que me incomoda muito e acho que é isso que mexe com a tal memória!

beijos, linda.

Theo disse...

muito bonito, ta de parabéns! apesar de vc nao gostar de nostalgia, eh tao gostoso!

Michele Matos disse...

Que coisa mais bonita. Acho que fiquei com saudade do seu avô.

Luciano disse...

A moral da história é: você não gosta de tomar banho! Hehehehe