06 maio 2008

Foi num dia de sol que você disse. Foi quando o sol lá de fora me invadiu, e falar isso parece clichê, mas agora eu to precisando muito de um clichezinho.

Eu, descalça, e tudo que lembro é que ao seu lado eu me sentia mais descalça ainda, porque estar ali descalça me fazia sentir a grama nos meus pés. E você de tênis.

O que ficou na minha memória foi isso: seu tênis de cadarço desamarrado, pisando na grama, e o sol batendo na gente, um solzinho de fim de tarde. E do lado do seu pé, o meu, descalço e sujo. É como um retrato na minha cabeça: vai ver porque eu só olhava pra baixo.

Eu queria pegar uma flor, e você falando. Depois você jogou uma pedra pra longe, como quem inventa uma coisa qualquer pra fazer, de repente, só pra quebrar uma camada de gelo invisível.

Pra mim, o sol derretia o gelo, se esperasse sentado, só. Mas você andava do meu lado, e isso me fazia olhar menos pra direita, justamente onde estava o sol. Eu ia engolindo seco e doce tudo o que você dizia. E você dizia bem pouco, pelo que lembro. Pouco ficou na minha cabeça além do retrato dos pés na grama. De tanto eu olhar pra baixo, me irritei e resolvi falar, e a frase saiu rouca no começo e eu quase que não quis continuar: “seu tênis ta desamarrado”. E quando você se abaixou para amarrar, foi que o sol passou por cima da sua cabeça, bateu no meu rosto e eu me senti bem mais alta, você ali, abaixado, concentrado no cadarço, e eu consegui de novo falar: “Tem uma folha na sua cabeça”. Era o que eu via dali de cima, seu cabelo despenteado e liso, um raio de sol passando por cima, e uma folha presa nisso tudo. Eu sabia que a folha me salvaria. Você parou de amarrar e por um instante eu pensei que a folha havia me traído, e você seria estúpido e ela riria da minha cara. Você olhou pra cima e agora o raio de sol fico parado no seu rosto. Então, foi que você disse: “você é linda”. Nessa hora você já sorria, e eu lamento não lembrar do momento exato em que o sorriso se abriu, mas ele ainda é um retrato, junto com o raio de sol, e os pés na grama.

Eu esfreguei os pés no chão, pra ver se tinha chão ali embaixo, e eu sei que hoje eu sou no sol e descalça a menina mais bonita.