04 abril 2008

Parada, mãos na cintura, ela olhava para as roupas penduradas nos cabides. Pensava em um vestido de abotoar, sem decote e florido. Pensava no vestido que não tinha: ele seria a peça perfeita. Mas como ele não fazia parte do seu modesto guarda-roupas, começou a buscar entre suas blusas a mais adequada.

Vermelha não. Nem preta. Nada pesado, nada de decote. Encontrou uma, azul. Azul é bom, é neutro. A blusa azul não era ainda o que queria, mas servia. Justa, mas nem tanto. Cobria a barriga. Decote discreto, em “U”. Era o mais próximo possível daquilo que imaginava.

Pensou que no dia em que comprou a calça jeans que usava agora, deveria ter comprado uma saia florida que viu na vitrine. Passava do joelho, com um botão na cintura, branca, com flores azuis. Seria perfeita. Se arrependeu por ser assim e nunca pensar em ocasiões especiais na hora de comprar roupas. Tudo bem, tudo bem. Escolheu mesmo a calça jeans, que nem era tão justa assim.

Sapatos. Nada de salto. Uma sandalinha preta, de tiras. Velha e gasta. De ir à feira. Mas ficava boa com a roupa.

Cada detalhe era importante, e por isso tirou os brincos de argola, pegou uma caixinha de madeira e lá no fundo encontrou dois coraçõezinhos prateados: presente do passado. Era hora de usá-los.

Parou em frente ao espelho. Olhou-se com estranhamento e satisfação. Pensou ainda no vestido das flores. Pensou agora nos cabelos e decidiu que presos ficariam bons.

Pegou a bolsa, a única, preta, de couro, colocou dentro o presente embrulhado e o papelzinho com o endereço e saiu.

Na rua, reparava em como as pessoas não reparavam nela. Achou aquilo estranho e confortável. Estava ali, tão comum, numa quarta-feira de sol e calor, às 2 da tarde, no meio das pessoas que iam às compras, que voltavam para o trabalho depois do almoço, que passeavam. E agora ela tomava consciência do que era fazer isso tudo, que sempre se faz sem perceber. Como se aquelas roupas a transformassem em outra.

Parou no ponto, esperou. Entrou no ônibus, pensou por 25 minutos que parecem 5. Desceu. Procurou na bolsa o papelzinho com o endereço: Rua Paraná, 356.

Depois de três quarteirões, estava procurando pelo número indicado. Deveria encontrar uma casa de portão cor de vinho, com um fusca branco na garagem. Quando percebeu que se aproximava, sentiu aquela dor de estômago que anuncia a sua ansiedade. Guardou o papelzinho amassado. Parou em frente ao portão vinho e bateu palma. Na porta, saiu uma senhora de avental. Atrás dela vinha um menino de pés no chão e roupa suja. Depois chegou uma moça parecida com ela, porém, mais jovem. A moça mais jovem abriu o portão. A outra entrou. As mulheres a olhavam com desconfiança, ainda que a mais jovem não conseguisse disfarça a felicidade. Ela se ajoelhou na frente do menino. Ele, de uns 5 anos, a olhava sem expressão. Ela reparou nos olhos verdes dele e os seus se encheram de lágrimas. A mulher do avental se afastou, muda, mostrando respeito pelo momento. Ela abriu a bolsa e de dentro tirou o embrulho: “pra você”. O menino aceitou, tímido. Ela ajudou-o a abrir. Era um caminhãozinho. Ele sorriu. Ela chorou. Foi convidada a entrar na casa. Entrou levando o menino pela mão. Sentou no sofá, tomou suco servido pela moça mais jovem, tentou conversar com a senhora do avental. Mas sua atenção era toda voltada para o menino. Queria saber se ele tinha amigos, se ia a escola, o que estava aprendendo, do que gostava de brincar. Ele respondia com monossílabos e sorria para os elogios dela.

Duas horas depois ela se despedia no portão, pensando se aquela sensação de conforto e medo era o significado de ser mãe e jurando que mataria qualquer um que um dia chamasse aquele menino de olhos verdes de filho da puta.

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