19 agosto 2007

Personagens de um lugar meu...

Era uma cidade pequena, bem pequena, dessas que parecem um jogo-da-velha se olhada de cima, onde a praça fica no quadradinho do meio. E a praça era cheia de crianças e velhos, que conversavam e brincavam. E lá sempre fazia sol, e era sempre calor, de modo que as pessoas ficavam muito mais nas ruas do que em suas casas. E as portas das casas estavam sempre abertas, e sempre tinha uma árvore na frente dos portões ou flores nas janelas, ou os dois em uma mesma casa, o que dava um ar muito alegre ao quintal. E as mulheres usavam vestidos leves, que não esvoaçavam com o vento porque lá pouco ventava, a não ser quando os meninos todos se juntavam e perdiam horas fazendo pipas para depois lançá-las ao céu. E as meninas faziam casinhas de bonecas nas calçadas, com caixinhas de papelão que eram mesas e camas e armários. E as bonecas eram todas de pano. E nas ruas, claro, havia cavalos e carroças. Vez ou outra, um carro. Pois bem, nesta cidadezinha havia um velho. Não um só, haviam muitos, como eu já disse; aqueles que ficavam na praça que ficava no meio da cidade. Mas esse velho de quem falo não ficava na praça, apesar de conhecer todos os velhos da praça e ser bom amigo de todos eles. Era um velho que todo dia, logo após o almoço – e o seu almoço era às 11h – sentava em um sujo banco de madeira em frente à sua casa, na calçada de frente para a rua. E lá ficava. E quem passava percebia que ele olhava para o outro lado da rua, sempre. Mas se você reparasse bem, perceberia que não era para o outro lado da rua que ele olhava. E se reparasse mais ainda, perceberia que não dava para saber ao certo para onde o velho olhava. Parecia que o velho olhava para o outro lado do mundo! E quando passava uma carroça na rua, ele seguia com o olhar. Passava um menino, ele seguia. Passava moça, ele seguia. Ficava ali parado, e seguindo com o olhar tudo o que passava. Às vezes fumava um cigarro de palha que ele mesmo enrolava. Às vezes mexia no bigode branco, mas sem tirar os olhos do outro lado do mundo, ou dos passos de quem passava. E assim seguia, olhando. Um dia, uma menina descalça de vestido florido, que fazia casinha de boneca na calçada se levantou, foi até o velho, com aquele olhar de curiosidade ingênua que só as crianças têm, coçou a cabeça, a barriga, e perguntou: ‘o senhor ta olhando pra onde?’. O velho riu, tranqüilo, como só os velhos sabem (ou podem?) fazer e disse: ‘olhando a vida passar...’.

4 comentários:

Equipe Rabiscos À Mão Livre disse...

é incrível como diante de tantas diferenças muitas coisas são iguais. Cidades do interior assim sempre serão, iguais, nas praças e nos velhos, incluindo até mesmo o banco sujo de madeira e os olhares.


- saber que o seu texto q eu achei de uma visão espetacular surgiu a partir do meu é algo uma quase intertextualidade daquelas ditas em aulas de literatura -

=D

;***

Keissy

Equipe Rabiscos À Mão Livre disse...

* é algo como*


odeio qndo minha mãe escreve mais rapido q minha cabeça possa processar!

Theo disse...

q calmaaaaaaa
esse texto da uma calmaaa =) oxee coisa gostosa

=*

Daniel Faria disse...

retrato perfeito da infância. acho que no nosso caso, das nossas cidades, o saudosismo é ainda maior :)
belo texto!